Sempre
tive uma concepção dividida sobre essa frase. Até porque a percepção
primária sobre um indivíduo pode ser determinada pela anteface que este
escolheu para se apresentar.
Mas ao reler recentemente a obra “Meditações” de Marco Aurélio, pude fixar
minha atenção em um trecho que acabou ficando no fundo do meu esquecimento, e
que agora presente, trago à superfície para que juntos possamos analisá-lo.
“Do mesmo modo que se concebe a ideia do que são carnes e alimentos deste tipo
dizendo, por exemplo, este é o cadáver de um peixe, aquele é o cadáver de
uma ave, ou de um porco; e, por outro lado, referindo-se ao Falerno (vinho
famoso da região de Falerno) como o mísero suco de um bago de uva; que a toga
pretexta (vestimenta exclusiva da classe social superior de Roma) é pelo de
ovelha umedecido com sangue de um molusco; e referindo-se à relação sexual
como a fricção de uma pequena víscera, e à ejaculação a excreção de um
bocado de muco acompanhado de certo espasmo, deves conceber o que se segue:
conforme o exemplo dessas ideias, que atingem as coisas que lhes são
pertinentes, penetram-nas e fazem ver aquilo que são, deves agir no desenrolar
da totalidade de tua vida; e sempre que as coisas se mostrarem a ti demasiado
merecedoras de confiança, põe essas coisas a nu, conscientiza a ti do escasso
valor que têm e despoja-as da história que as envolve e que as torna dignas
de tanto respeito. Com efeito, essa fumaça de respeitabilidade é
terrivelmente enganadora; e é quando julgas estar dedicando o máximo de
atenção às coisas sérias que se aproxima para te enfeitiçar ao máximo.”
Nossa percepção é a todo instante refém dos fingimentos. E o que alavanca a
dissimulação é o interesse de pastorear essas impressões para o extremo
mais conveniente.
É por isso que as pessoas que conhecemos deixam de ser as mesmas do primeiro
instante. Ninguém sustenta uma máscara por muito tempo, mas indubitavelmente,
toda máscara é mantida por mais tempo do que deveria graças a nossa
expectativa.
A expectação é a própria dissimulação em nós. Projetamos nas coisas o
que desejamos que elas sejam, e muitas vezes até livre do fingimento alheio,
somos vítimas da ilusão que secretamente tecemos.
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Portanto, tudo pode ser maior ou menor, pior ou melhor do que nossa
visão determinante julga ser. Isto é, as relações, vícios, impressões e
virtudes, não devem ser consideradas honestas, insuperáveis, cordiais e
indestrutíveis até que as desmontemos em sua forma de origem, longe do que nos
é conveniente.
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Você pode estar enfrentando algo menor e se relacionando com algo muito
maior do que imagina — mas o contrário também é uma hipótese, e se você não se
propor a descobrir, todo engano será culpa sua.
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